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Avanços na terapia do mieloma múltiplo refratário: eficácia do tratamento com células CAR-T (Cilta-cel) no estudo CARTITUDE-4

Estudo de fase III do cilta-cel no tratamento de mieloma múltiplo refratário à lenalidomida (Revlimid®) revela resultados promissores de diminuição do risco de progressão de doença

Escrito por: Samara Alves

Os tratamentos para mieloma múltiplo (MM) têm avançado significativamente nos últimos anos. No entanto, eventualmente os pacientes não respondem ao tratamento, sendo considerados “refratários à terapia”. Essa condição surge quando os pacientes deixam de responder ao tratamento inicial ou sofrem progressão de doença em até 60 dias após a última dose terapêutica. O MM é um tipo de câncer hematológico que ocorre quando as células plasmáticas passam a se proliferar sem controle na medula óssea. Entre as estratégias terapêuticas empregadas, tanto para o mieloma múltiplo inicial quanto para o refratário, destaca-se a administração da lenalidomida (Revlimid®), um medicamento que fortalece o sistema imunológico no combate às células cancerígenas, retardando o crescimento tumoral. Contudo, devido ao uso frequente da lenalidomida, mais pacientes estão se tornando resistentes a ela e não respondem mais ao tratamento.

Para os pacientes que não respondem mais ao tratamento, surgem alternativas de um novo enfoque terapêutico. Alguns dos tratamentos convencionais mais empregados nesse contexto são as combinações de diferentes medicamentos, como pomalidomida, bortezomibe e dexametasona (PVd) ou daratumumabe, pomalidomida e dexametasona (DPd). Uma abordagem inovadora envolve usar as próprias células de defesa do paciente, as células T. Essas células são coletadas por aférese, modificadas em laboratório, e depois reintroduzidas no paciente por infusão. As células modificadas são chamadas de “células CAR-T” e têm proteínas na sua superfície que facilitam o reconhecimento e a destruição das células cancerígenas. Recentes pesquisas têm direcionado as células CAR-T para identificar uma proteína abundantemente expressa nas células cancerígenas do mieloma múltiplo, conhecida como antígeno de maturação de células B (BCMA). O ciltacabtagene autoleucel (cilta-cel), um tratamento que utiliza células CAR-T para detectar e erradicar células cancerígenas de MM que expressam BCMA, foi aprovado pela FDA em 2022.

O estudo CARTITUDE-4, publicado na revista The New England Journal of Medicine e financiado pelas empresas Janssen e Legend Biotech, apresentou os resultados do tratamento de pacientes MMRR em um ensaio clínico de fase III, aberto, com 419 pacientes, aleatorizados para dois grupos: 208 receberam o tratamento com cilta-cel, enquanto 211 receberam tratamento convencional à escolha do médico, consistindo em PVd ou DPd. No caso dos pacientes que receberam cilta-cel, as suas células foram coletadas, seguindo de terapia de transição para o novo tratamento (PVd ou DPd), linfodepleção, e posterior infusão das células modificadas. No grupo da terapia convencional, os pacientes foram submetidos a ciclos regulares de tratamento (28 dias para DPd ou 21 dias para PVd) até que ocorresse progressão de doença, resultando uma média de 12 ciclos de tratamento. O período médio de acompanhamento dos pacientes foi de 15,9 meses.

Foi demonstrada a eficácia superior do tratamento com cilta-cel em relação à terapia convencional. Pacientes submetidos a esse tratamento apresentaram um risco significativamente menor de progressão de doença ou óbito (HR 0,26; IC 95%; 0,18 a 0,38; P<0,001). A mediana para progressão de doença no grupo do cilta-cel não foi atingida.  Em contraste, esse ponto foi alcançado em 11,8 meses (IC 95%; 9,7 a 13,8) para o grupo submetido à terapia convencional. Após 12 meses, a taxa de pacientes sem progressão de doença foi de 75,9% (IC 95%; 69,4 a 81,1) no grupo cilta-cel, contrastando com 48,6 % (IC 95%; 41,5 a 55,3) no grupo da terapia convencional. Além disso, pacientes submetidos ao tratamento com cilta-cel apresentaram taxas de resposta superiores, bem como respostas mais profundas e duradouras. A obtenção de uma resposta completa foi maior no grupo cilta-cel (73,1%) em relação ao grupo da terapia convencional (21,8%) e uma maior proporção de pacientes no grupo cilta-cel manteve a resposta por no mínimo 12 meses (84,7% vs. 63,0%). 

Sobre a presença de doença mínima residual, 60,6% dos pacientes no grupo cilta-cel e 15,6% do grupo da terapia convencional apresentaram resultados negativos (razão de risco: 2,2; IC 95%;1,8 a 2,6; P<0,001), indicando a eficácia do cilta-cel em pacientes com doença refratária à lenalidomida já na primeira recidiva. Em relação à sobrevivência global, não foram obtidas informações conclusivas, pois, ao final de 12 meses, as proporções de pacientes vivos nos dois grupos foram semelhantes (84,1% no grupo cilta-cel e 83,6% no grupo da terapia convencional). Entretanto, registrou-se um menor número de mortes por progressão de doença no grupo do cilta-cell (14) em comparação com o grupo da terapia convencional (30).

Eventos adversos graves e eventos de grau 3 e 4 foram comparáveis entre os grupos, sendo predominante os hematológicos. Grande parte das citopenias de alto grau em pacientes tratados com cilta-cel recuperaram-se para grau 2 ou inferior até o dia 60. Não houve diferença significativa na incidência de cânceres primários adicionais entre os grupos. Os pesquisadores notaram que, no início do tratamento (primeiras 8 

semanas), a progressão de doença e as mortes foram mais frequentes no grupo cilta-cel, devido à não terem recebido a infusão de células até aquele momento e à administração de doses menores da terapia de ponte (DPd ou PVd). No entanto, a incidência de infecções foi comparável entre os dois grupos. Os autores consideram que os eventos adversos associados à terapia com CAR-T puderam ser controlados com cuidados de suporte adequados. 

Em conclusão, os resultados do estudo enfatizam a notável eficácia do tratamento com cilta-cel em pacientes com mieloma múltiplo recidivado e refratário à lenalidomida. A resposta profunda e duradoura observada sugere que o cilta-cel tem potencial para se tornar uma opção terapêutica valiosa para pacientes após a primeira recidiva da doença.

 

Referências:

San-Miguel J, e. a. (2023). Cilta-cel or Standard Care in Lenalidomide- Refractory Multiple Myeloma. The New England Journal of Medicine, 389, 335-347.

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