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Estudo de fase 3: 10 dias de Decitabina versus quimioterapia com 3+7 seguida de transplante alogênico de medula óssea em pacientes idosos com leucemia mieloide aguda

O uso de decitabina no lugar da quimioterapia citotóxica de alta intensidade com 3+7 pode ser uma terapia de ponte interessante para pacientes com leucemia mieloide aguda candidatos a transplante alogênico de medula óssea

Por Germano Glauber de Medeiros Lima

Pacientes idosos (60 anos ou mais) com leucemia mieloide aguda (LMA) historicamente são um grupo com tratamento desafiador, dado que a alta intensidade de regimes de indução como a quimioterapia 3+7 (3 dias de Daunorubicina e 7 dias de citarabina infusional) são pouco toleradas neste grupo, com alta mortalidade relacionada à terapêutica ou complicações infecciosas da neutropenia prolongada gerada por ela. Fatores intrínsecos relacionados aos pacientes idosos que impedem um melhor resultado com a terapêutica incluem status performance reduzido, comorbidades e outras limitações funcionais relacionadas à idade.

Nas últimas duas décadas houve uma grande melhoria na sobrevida desses pacientes, alcançada com a introdução de condicionamentos de intensidade reduzida, seguido de transplante alogênico de medula óssea (TMO). No entanto, é questionável o papel da terapia de indução com a quimioterapia 3+7 para pacientes idosos candidatos a TMO alogênico. Terapias eficazes e mais bem toleradas para aumentar a taxa de TMO em idosos com LMA são necessárias.

Agentes hipometilantes de DNA (HMAs), como decitabina e azacitidina, tornaram-se, devido ao seu perfil de toxicidade favorável e atividade antileucêmica, a base de tratamento padrão para pacientes com LMA não candidatos à quimioterapia de indução intensiva. No entanto, embora o tratamento com HMA estenda a mediana de sobrevida global de pacientes idosos com LMA, este regime, em última análise, não é curativo.

O estudo apresentado foi um ensaio clínico de fase 3, aberto, randomizado e controlado, realizado em 54 hospitais de nove países europeus. Pacientes com mais de 60 anos e com diagnóstico novo de LMA, ainda sem tratamento, foram incluídos, na condição de terem status performance (ECOG) menor ou igual a 2, e se fossem elegíveis a quimioterapia intensiva. Os pacientes foram randomizados aleatoriamente (1:1) para receber decitabina (20 mg/m² durante os primeiros 10 dias em ciclos de 28 dias) ou 3+7 (daunorrubicina 60 mg/m² nos primeiros 3 dias e citarabina 200 mg/m² nos primeiros 7 dias, seguido por 1–3 ciclos adicionais de quimioterapia). O TMO alogênico foi fortemente encorajado. O desfecho primário do estudo foi a sobrevida global na população com intenção de tratar.

Entre dezembro de 2014 e agosto de 2019, 606 pacientes foram randomizados para receber decitabina (n=303) ou 3+7 (n=303). Numa mediana de seguimento de 4,0 anos (IQR 2,9–4,8), a sobrevida global em 4 anos foi de 26% (IC 95% 21–32) no grupo de decitabina versus 30% (24–35) no grupo 3 + 7 (HR para óbito 1,04 [IC 95% 0,86–1,26]; p=0·68). As taxas de TMO alogênico foram semelhantes entre os grupos (122 [40%] de 303 pacientes para decitabina e 118 [39%] de 303 pacientes para 3+7). As taxas de eventos adversos de grau 3–5 foram 254 (84%) de 302 pacientes no grupo de decitabina e 279 (94%) de 298 pacientes no grupo 3+7. As taxas de infecções de grau 3–5 (41% [125 de 302] vs 53% [158 de 298]), mucosite oral (2% [7 de 302] vs 10% [31 de 298]) e diarréia (1% [3 de 302] vs 8% [24 de 298]) foram menores no grupo de decitabina do que no grupo 3+7. Mortes relacionadas ao tratamento foram relatadas em 12% (35 de 302) dos pacientes no grupo de decitabina e 14% (41 de 298) no grupo 3+7.

As análises de subgrupo do estudo sugeriram que a comparação entre os dois grupos de tratamento pode ser afetada pela idade dos pacientes e a genética da doença, em particular a presença da mutação NPM1, com melhores resultados para 3+7 observados em pacientes mais jovens e aqueles com citogenética favorável, enquanto melhores resultados para a decitabina foram observados em pacientes mais idosos e com citogenética adversa, particularmente com cariótipo monossomal.

A monoterapia com decitabina não gerou melhora de sobrevida global, porém mostrou redução de toxicidades (particularmente neutropenia febril, sepse e mucosite) e um perfil econômico de saúde mais favorável do que 3+7, apoiando-se assim um papel para tratamentos de toxicidade reduzida na LMA neste grupo de pacientes.

Os autores do trabalho concluem que a decitabina poderia ser considerada uma alternativa mais bem tolerada e suficientemente eficaz à indução 3+7 em pacientes idosos candidatos à terapia intensiva, especialmente quando apresentam genética de doença desfavorável ou idade maior que 70 anos, e que esses resultados apoiam o desenvolvimento de ensaios clínicos futuros, combinando um HMA com um inibidor de Bcl-2 como o venetoclax, objetivando melhores respostas.

Referência:

  • Lübbert, M., Wijermans, P. W., Kicinski, M., Chantepie, S., Van der Velden, W. J. F. M., Noppeney, R., Griškevičius, L., Neubauer, A., Crysandt, M., Vrhovac, R., Luppi, M., Fuhrmann, S., Audisio, E., Candoni, A., Legrand, O., Foà, R., Gaidano, G., van Lammeren-Venema, D., Posthuma, E. F. M., Hoogendoorn, M., … EORTC Leukemia Group, GIMEMA, and German MDS Study Group (2023). 10-day decitabine versus 3 + 7 chemotherapy followed by allografting in older patients with acute myeloid leukaemia: an open-label, randomised, controlled, phase 3 trial. The Lancet. Haematology, 10(11), e879–e889. https://doi.org/10.1016/S2352-3026(23)00273-9
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