Terapia gênica com AAV demonstra benefício clínico sustentado em pacientes com hemofilia B grave após 13 anos de seguimento
Expressão estável do fator IX e redução drástica de sangramentos e uso de concentrado proteico confirmam o potencial duradouro da terapia gênica
Escrito por: Germano Glauber de Medeiros Lima
A hemofilia B é uma desordem hemorrágica hereditária causada por deficiência no fator IX (FIX) da coagulação. Pacientes com a forma grave da doença (<1% de atividade de FIX) apresentam sangramentos espontâneos recorrentes, levando a artropatia crônica e risco vital. O tratamento padrão consiste na administração profilática de concentrado de FIX, que é invasivo, oneroso e não oferece cura.
A terapia gênica baseada em vetores de adenovírus associados (AAV) surge como uma alternativa promissora, permitindo a expressão endógena do FIX por meio da transferência de um gene funcional. Estudos anteriores relataram sucesso inicial, mas persistem incertezas quanto à durabilidade da expressão gênica e à segurança em longo prazo. Este estudo tem como objetivo relatar os resultados de 13 anos de seguimento de dez pacientes com hemofilia B grave tratados com o vetor scAAV2/8-LP1-hFIXco, avaliando a estabilidade da expressão do transgene, segurança e benefício clínico sustentado.
Dez homens com hemofilia B grave receberam uma infusão intravenosa única do vetor scAAV2/8-LP1-hFIXco em uma de três doses: baixa (2×10¹¹ vg/kg; n=2), intermediária (6×10¹¹ vg/kg; n=2) ou alta (2×10¹² vg/kg; n=6). Os participantes foram acompanhados por mediana de 13 anos (variação: 11,1–13,8 anos). Foram avaliados parâmetros de segurança (eventos adversos, enzimas hepáticas, desenvolvimento de inibidores), atividade de FIX, taxa anual de sangramento (ABR), uso de concentrado de FIX e resposta imune humoral contra o vetor. Uma biópsia hepática foi realizada em um participante após dez anos para análise molecular.
Resultados/Discussão:
A expressão do FIX manteve-se estável ao longo de 13 anos, com médias de 1,7 IU/dL (dose baixa), 2,3 IU/dL (intermediária) e 4,8 IU/dL (alta). Observou-se redução mediana de 9,7 vezes na ABR e de 12,4 vezes no uso de concentrado de FIX. Quatro participantes apresentaram elevação transitória de transaminases, controlada com glicocorticoides. Dois casos de neoplasia (pulmão e próstata) foram considerados não relacionados ao vetor. Nenhum inibidor de FIX, trombose ou morte foi registrado. A biópsia hepática mostrou presença de DNA do transgene em 10,3% dos hepatócitos e transcrição ativa em 5,5%, sem alterações histopatológicas.
A persistência de anticorpos neutralizantes contra AAV8 em titulação elevada (>300 vezes o basal) após dez anos sugere impedimento à readministração do mesmo sorotipo, embora sorotipos alternativos possam ser viáveis. A perda gradual de genomas episomais devido à renovação hepática pode explicar a diminuição gradual na expressão em alguns indivíduos, mas a integração genômica esporádica parece contribuir para a expressão duradoura.
Conclusão:
O estudo confirma que a terapia gênica com scAAV2/8-LP1-hFIXco é segura e eficaz em longo prazo, com expressão estável de FIX, redução significativa de sangramentos e independência do uso profilático de concentrado na maioria dos pacientes. A ausência de toxicidade tardia e a manutenção do benefício clínico sustentam o potencial transformador dessa abordagem para o tratamento da hemofilia B.
Referência:
1) Reiss UM, Davidoff AM, Tuddenham EGD, et al. Sustained Clinical Benefit of AAV Gene Therapy in Severe Hemophilia B. N Engl J Med. 2025;392(22):2226-2234. doi:10.1056/NEJMoa2414783

