Risco e características de acidentes vasculares cerebrais em púrpuras trombocitopênicas: uma síntese de evidências
Meta-análise revela que risco de AVC isquêmico é significativamente maior na púrpura trombocitopênica trombótica (PTT) em comparação com a púrpura trombocitopênica imune (PTI), enquanto agonistas do receptor de trombopoietina (TPO-RAs) não aumentam o risco de AVC na PTI
Escrito por: Germano Glauber de Medeiros Lima
A púrpura trombocitopênica imune (PTI) e a púrpura trombocitopênica trombótica (PTT) são distúrbios hematológicos distintos que compartilham a trombocitopenia como característica central, mas com fisiopatologias opostas: predominantemente hemorrágica na PTI e trombótica na PTT. Embora a associação entre PTI e hemorragia intracraniana (HIC) seja reconhecida, particularmente em crianças, a carga completa de acidente vascular cerebral (AVC), incluindo o AVC isquêmico (AVCI), nesta população adulta permanece pouco caracterizada. Da mesma forma, dados robustos sobre a incidência de AVC na PTT são escassos, apesar da natureza trombótica da doença.
Além disso, o manejo da PTI frequentemente envolve o uso de agonistas do receptor de trombopoietina (TPO-RAs) para elevar a contagem plaquetária, mas persistem preocupações sobre seu potencial risco trombótico, incluindo o AVC. Portanto, os objetivos deste trabalho foram: 1) determinar a prevalência de AVCI e HIC em pacientes adultos com PTI e PTT; 2) avaliar o AVC como um evento adverso associado ao uso de TPO-RAs na PTI; e 3) analisar os fatores de risco associados ao AVC nessas populações.
Foi conduzida uma revisão sistemática e meta-análise seguindo as diretrizes PRISMA, com protocolo registrado no PROSPERO (CRD42023468463). Realizou-se uma busca abrangente nas bases PubMed, Embase, Cochrane, Web of Science e Scopus até 3 de novembro de 2023, por estudos que reportassem a ocorrência de AVCI ou HIC em coortes de pacientes adultos com PTI ou PTT. Foram excluídos relatos de caso, séries pequenas (<5 casos), estudos pediátricos e revisões. Dois revisores independentes selecionaram os estudos e extraíram os dados. A análise estatística empregou modelos de efeitos aleatórios com transformação duplo-arco-seno de Freeman-Tukey para calcular as prevalências agrupadas, e meta-regressão para explorar fatores de risco. O risco de viés foi avaliado pela escala Newcastle-Ottawa.
Resultados e discussão
Foram incluídos 42 estudos, totalizando 118.019 pacientes (116.334 com PTI e 1.685 com PTT). A prevalência de AVCI foi de 2,1% (IC95% 0,8–4,0%) e de HIC de 1,5% (IC95% 0,9–2,1%) na coorte geral de PTI. Em contraste, os pacientes com PTT apresentaram uma prevalência significativamente maior de ambos os subtipos: 13,9% (IC95% 10,2–18,1%) para AVCI e 3,9% (IC95% 0,2–10,4%) para HIC. A análise de subgrupo mostrou que a prevalência de AVC (isquêmico, hemorrágico e total) foi significativamente maior na PTT em comparação com a PTI (p<0,01 para AVCI e AVC total; p=0,02 para HIC).
Notavelmente, entre os 4.390 pacientes com PTI tratados com TPO-RAs, a prevalência de AVCI (1,8%) e HIC (2,0%) não diferiu estatisticamente da observada na coorte geral de PTI, sugerindo que esses agentes não conferem um risco adicional significativo de AVC. A meta-regressão não identificou fatores de risco significativos (idade, sexo, hipertensão, diabetes) para o desenvolvimento de AVC em pacientes com PTI, embora a alta taxa de dados ausentes limite esta conclusão.
Conclusão
Este estudo demonstra que pacientes com PTT têm um risco substancialmente maior de AVC, especialmente isquêmico, em comparação com aqueles com PTI, refletindo a fisiopatologia trombótica distinta da PTT. Para a PTI, os achados reforçam a segurança dos TPO-RAs do ponto de vista do risco trombótico, não observando-se um aumento na prevalência de AVC associado ao seu uso. A alta prevalência de AVCI na PTT justifica futuras investigações sobre os riscos e benefícios de estratégias antitrombóticas profiláticas nesta população. Estudos prospectivos são necessários para elucidar os fatores de risco e o momento ideal para a intervenção no manejo do AVC nessas condições hematológicas.
Referência:
- Ahmad SA, Liu O, Feng A, et al. Prevalence and characteristics of acute ischemic stroke and intracranial hemorrhage in patients with immune thrombocytopenic purpura and immune thrombotic thrombocytopenic purpura: a systematic review and meta-analysis. Neurol Res Pract. 2025;7:19. doi:10.1186/s42466-025-00374-3.

