skip to Main Content

Profilaxia da doença do enxerto contra o hospedeiro à base de ciclofosfamida pós-transplante

Resultados do estudo de fase 3 BMT CTN 1703 demonstram que o uso de ciclofosfamida – tacrolimus – micofenolato mofetil em pacientes que receberam TCTH alogênico de sangue periférico de intensidade reduzida ou não mieloablativo aumentou a sobrevida livre de DECH e livre de recidiva quando comparado à profilaxia padrão com tacrolimus – metotrexato

Escrito por: Bárbara Yasmin Garcia Andrade Revisado por: Guareide Carelli

Uma das maiores preocupações que se tem com os pacientes tratados com transplante alogênico de células tronco-hematopoiéticas (TCTH) é o controle da Doença do Enxerto contra o Hospedeiro (DECH). Há quase 40 anos a prevenção de DECH se baseia na combinação de metotrexato e um inibidor de calcineurina, e pouca coisa mudou nos últimos anos. Apesar da profilaxia, a DECH aguda clinicamente significativa, a DECH crônica ou ambas se desenvolvem em mais da metade dos pacientes submetidos a transplante alogênico, e essas condições causam complicações clinicamente significativas e morte.

As propriedades imunossupressoras da ciclofosfamida a tornavam uma opção de substituto ideal para a irradiação corporal total em regimes de condicionamento para TCTH. Em modelo animal, a ciclofosfamida se mostrou o melhor quimioterápico para prevenir a DECH. Foi baseado nessas observações e nos resultados da ensaios clínicos de fase 1-2 sobre a eficiência de ciclofosfamida-tacrolimus-micofenolato mofetil pós-transplante para profilaxia de DECH em transplante haploidêntico, que em 2013, a Blood and Marrow Transplant Clinical Trials Network (BMT CTN) publicou um ensaio clínico de fase 2 comparando três estratégias diferentes de profilaxia de DECH em pacientes submetidos a TCTH após condicionamento de intensidade reduzida. O estudo identificou ciclofosfamida-tacrolimus-micofenolato mofetil como o regime mais promissor a ser comparado com tacrolimus-metotrexato em um ensaio randomizado de fase 3.

Em junho de 2023, Javier Bolaños-Meade e colaboradores publicaram no The New England Journal of Medicine os resultados do ensaio de fase 3 BMT CTN 1703, que comparou dois regimes de profilaxia para DECH:  ciclofosfamida–tacrolimus–micofenolato mofetil (profilaxia experimental) e tacrolimus – metotrexato (profilaxia padrão) em pacientes que receberam TCTH alogênico de sangue periférico de intensidade reduzida ou não mieloablativo. O objetivo principal foi comparar a sobrevida livre de DECH em 1 ano e a sobrevida livre de recidiva nos dois grupos de profilaxia, avaliando em uma análise de tempo até o evento os casos de DECH aguda de grau III ou IV, DECH crônica que justifica imunossupressão sistêmica, recidiva ou progressão da doença, e morte por qualquer causa. 

Participaram do estudo 431 adultos com câncer hematológico. Os pacientes (pts) foram randomizados 1:1 para receber profilaxia experimental ou profilaxia padrão. Os pacientes foram submetidos a TCTH de um doador aparentado compatível com HLA ou de um doador não aparentado compatível ou 7/8 incompatível (ou seja, incompatível em apenas um dos loci HLA-A, HLA-B, HLA-C e HLA-DRB1), após condicionamento de intensidade reduzida. O regime de profilaxia experimental consistiu em: ciclofosfamida (50 mg/Kg por dia – dias 3 e 4 após o TCTH); tacrolimus começando no dia 5 (VO 0,05 a 0,06 mg/Kg por dia ou VI 0,02 a 0,03 mg/Kg por dia); e micofenolato de mofetil (15 mg/Kg), não excedendo 1 g três vezes ao dia, começando do dia 5 ao dia 35. O regime de profilaxia padrão consistia em metotrexato (15 mg/m2 em dia 1 e 10 mg/m2 nos dias 3, 6 e 11) e tacrolimus (dose acima, início 3 dias antes do TCTH; a redução gradual poderia começar no dia 90 com uma meta de interrupção no dia 180). 

O desfecho primário do estudo foi uma comparação dos grupos de tratamento na população com intenção de tratar. A análise de regressão multivariada de Cox mostrou um risco significativamente menor de DECH aguda de grau III ou IV, DECH crônica, recidiva ou progressão da doença ou morte com o regime de profilaxia experimental do que com o regime de profilaxia padrão (taxa de risco estimada: 0,64; IC95%: 0,49 –  0,83; P=0,001). Em 1 ano, a sobrevida ajustada livre de DECH e livre de recidiva foi de 52,7% (IC95%: 45,8 – 59,2) no grupo de profilaxia experimental e 34,9% (IC95%: 28,6 – 41,3) no grupo de profilaxia padrão. Os pacientes do grupo de profilaxia experimental tiveram DECH aguda ou crônica menos grave e uma maior incidência de sobrevida livre de imunossupressão em 1 ano. A sobrevida global e livre de doença, a recidiva, a morte relacionada ao transplante e o enxerto não diferiram substancialmente entre os grupos.

Os resultados do estudo mostram a sobrevida livre de DECH e livre de recidiva em 1 ano foram melhores entre aqueles que receberam ciclofosfamida-tacrolimus-micofenolato mofetil do que entre aqueles que receberam tacrolimus-metotrexato. Os autores discutem que esses achados são notáveis ​​porque o controle mais agressivo da DECH tem sido historicamente associado a uma maior incidência de recaída e piores resultados gerais. Os resultados também sugeriram maior sobrevida livre de imunossupressão e menor incidência de DECH aguda grave e de DECH crônica com o regime de profilaxia experimental, sem comprometimento precoce (≤1 ano) no controle da doença.

 

Referência: 

1 – BOLAÑOS-MEADE, Javier et al. Post-Transplantation Cyclophosphamide-Based Graft-versus-Host Disease Prophylaxis. New England Journal of Medicine, v. 388, n. 25, p. 2338-2348, 2023.

Back To Top