Eficácia e lacunas das terapias farmacológicas inovadoras para anemia falciforme: uma revisão sistemática baseada em ensaios clínicos e dados do mundo real

Estudo revela que L-glutamina, crizanlizumabe e voxelotor reduzem crises vaso-oclusivas, mas desafios como adesão e segurança persistem
Escrito por: Germano Glauber de Medeiros Lima
A anemia falciforme (AF) é uma hemoglobinopatia hereditária que afeta milhões de pessoas globalmente, caracterizada por hemólise, crises vaso-oclusivas (CVOs) e danos a órgãos. Antes de 2017, a hidroxiureia era a única terapia modificadora da doença disponível. Recentemente, três novas terapias—L-glutamina, crizanlizumabe e voxelotor—foram aprovadas, visando diferentes mecanismos fisiopatológicos, como estresse oxidativo, adesão celular e polimerização da hemoglobina S. No entanto, questões como eficácia a longo prazo, segurança e acesso permanecem pouco exploradas.
Este estudo teve como objetivo sintetizar os desfechos clínicos dessas terapias com base em ensaios clínicos e dados do mundo real, identificando lacunas e discrepâncias entre os contextos experimental e real. A revisão também buscou avaliar o impacto dessas drogas em complicações específicas da AF, como síndrome torácica aguda e priapismo, além de discutir desafios como adesão ao tratamento e variabilidade geográfica.
Metodologia:
Foi conduzida uma revisão sistemática seguindo as diretrizes PRISMA, abrangendo estudos publicados até 31 de maio de 2024. Foram incluídos ensaios clínicos randomizados (ECRs), estudos observacionais, séries de casos e relatos de caso em inglês, excluindo revisões narrativas e estudos em animais. As bases de dados consultadas incluíram Cochrane, Embase e MEDLINE. Dois revisores independentes avaliaram a qualidade dos estudos utilizando ferramentas como a escala Cochrane para ECRs e a escala Newcastle-Ottawa para estudos observacionais. Os desfechos analisados incluíram redução de CVOs, hospitalizações, marcadores de hemólise e eventos adversos.
Resultados/discussão:
A L-glutamina demonstrou redução de 25% nas crises de dor e 33% nos dias de hospitalização em ensaios clínicos, com melhora nos parâmetros renais em estudos do mundo real. No entanto, a baixa adesão (42% de descontinuação) e barreiras de acesso limitaram seu uso. O crizanlizumabe reduziu as CVOs em 45% no estudo SUSTAIN, mas falhou em mostrar eficácia no estudo STAND, levando à sua retirada do mercado europeu. Reações relacionadas à infusão e altas taxas de descontinuação foram desafios significativos. O voxelotor aumentou os níveis de hemoglobina em 51% e reduziu marcadores de hemólise, porém sua retirada voluntária em 2024 devido a riscos de segurança destacou a necessidade de monitoramento contínuo.
As discrepâncias entre ensaios clínicos e dados reais foram notáveis, especialmente em populações diversas. A maioria dos estudos focou em genótipos HbSS, deixando lacunas para outros genótipos, como HbSC e HbSβ-talassemia. Além disso, a escassez de dados de regiões de alta prevalência, como a África Subsaariana, limitou a generalização dos resultados. A seleção de desfechos centrados em marcadores laboratoriais, em vez de complicações orgânicas ou qualidade de vida, também foi uma limitação.
Conclusão:
As terapias inovadoras para AF apresentam benefícios significativos, mas desafios como segurança, adesão e acesso persistem. A retirada do voxelotor e as limitações do crizanlizumabe reforçam a necessidade de monitoramento pós-comercialização e estudos de longo prazo. Estratégias para melhorar a adesão, expandir o acesso e incluir populações sub-representadas são essenciais. Futuras pesquisas devem priorizar desfechos clinicamente relevantes, como danos a órgãos e sobrevida, além de explorar combinações terapêuticas para otimizar o manejo da AF.
Referência:
1) Yassin M, Minniti C, Shah N, et al. Evidence and gaps in clinical outcomes of novel pharmacologic therapies for sickle cell disease: A systematic literature review highlighting insights from clinical trials and real-world studies. Blood Rev. Published online April 25, 2025. doi:10.1016/j.blre.2025.101298