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Diretrizes práticas para o manejo de eventos oculares associados ao belantamabe mafodotina em mieloma múltiplo

Estudo internacional estabelece protocolo para monitoramento e ajuste de dose que controla toxicidade ocular sem comprometer a eficácia antitumoral

Escrito por: Germano Glauber de Medeiros Lima  

O belantamabe mafodotina (belamaf) é um anticorpo conjugado inovador que representa uma opção terapêutica eficaz para pacientes com mieloma múltiplo (MM) recidivado e/ou refratário. No entanto, eventos oculares, particularmente aqueles que afetam o epitélio corneal, emergem como um efeito adverso frequente e característico deste agente. Essas manifestações, que incluem visão turva, sensação de corpo estranho, fotofobia e redução da acuidade visual, são predominantemente de grau leve a moderado e, crucialmente, se mostram reversíveis na quase totalidade dos casos.

Apesar da natureza manejável desses eventos, a novidade do fármaco e a complexidade da toxicidade exigem orientações claras e práticas para que hematologistas, em colaboração com oftalmologistas, possam identificar, monitorar e tratar essas complicações de forma eficaz, garantindo a manutenção da qualidade de vida dos pacientes e a continuidade do tratamento antitumoral. Diante deste cenário, este trabalho teve como objetivo desenvolver recomendações clínicas baseadas em evidências para a identificação, o monitoramento e o manejo dos eventos oculares associados ao belamaf, incluindo orientações para modificações de dose necessárias.

Um comitê diretivo (Steering Committee) internacional, composto por 16 hematologistas e 4 oftalmologistas, foi formado para elaborar as recomendações. O comitê identificou 11 questões clínicas críticas, agrupadas em quatro temas principais: identificação de condições oculares, manejo da terapia com belamaf, colaboração multidisciplinar e abordagem centrada no paciente. Para embasar as diretrizes, foi conduzida uma revisão sistemática da literatura (RSL) que avaliou dados de ensaios clínicos pivotais (DREAMM-7 e DREAMM-8), evidências do mundo real e publicações existentes sobre o tema. As recomendações foram refinadas em múltiplas rodadas de discussão, harmonizando as evidências da RSL com a experiência clínica coletiva dos especialistas.

Resultados e Discussão:

As recomendações estabelecem que todos os pacientes devem realizar uma avaliação oftalmológica de base antes de iniciar o belamaf. Contudo, o tratamento não deve ser retardado caso haja demora na avaliação, devendo esta ser realizada o mais breve possível. O monitoramento é intensificado nos ciclos iniciais, com exames oftalmológicos obrigatórios antes das doses 2, 3 e 4. A partir do ciclo 5, a ferramenta Vision-Related Anamnestic (VRA), um questionário de autorrelato com nove itens sobre sintomas e impacto nas atividades diárias, torna-se a principal ferramenta para o hematologista decidir pela administração da próxima dose ou pelo encaminhamento a um especialista. Para a graduação da toxicidade, a escala Keratopathy and Visual Acuity (KVA), aplicada pelo oftalmologista, é fundamental para guiar as modificações de dose.

Os dados consolidados demonstram que a estratégia de ajuste de dose – incluindo atrasos no intervalo de administração (ex.: a cada 8 ou 12 semanas) ou redução da dose (ex.: para 1,9 mg/kg) – é altamente eficaz no controle dos eventos oculares, permitindo sua resolução na maioria dos casos. Criticamente, as análises dos estudos DREAMM-7 e DREAMM-8 mostram que essas interrupções ou modificações não comprometem a eficácia antitumoral, com os pacientes mantendo ou até mesmo aprofundando sua resposta ao tratamento. Este é um achado fundamental, pois desfaz o paradigma de que toxicidade manejável necessariamente se traduz em perda de eficácia, garantindo que os pacientes possam se beneficiar do fármaco a longo prazo.

Este consenso de especialistas fornece um framework prático e detalhado para o manejo proativo dos eventos oculares associados ao belantamabe mafodotina. A implementação dessas diretrizes, centrada na avaliação oftalmológica estruturada, no uso de ferramentas como o questionário VRA e a escala KVA, e na colaboração efetiva entre hematologistas e oftalmologistas, permite otimizar o perfil de segurança do tratamento. As evidências confirmam que as intervenções propostas, particularmente os ajustes posológicos individualizados, são capazes de controlar a toxicidade ocular enquanto preservam a eficácia antitumoral, contribuindo significativamente para a manutenção da qualidade de vida e para os desfechos positivos dos pacientes com mieloma múltiplo.

Referência:

  • Terpos E, Trudel S, Mateos MV, et al. Practical Guidance on Clinical Management of Belantamab Mafodotin-Associated Ocular Events. Am J Hematol. 2025;100(10):1839-1850. doi:10.1002/ajh.70015
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