Caracterização molecular e preditores de recidiva em leucemia linfoblástica aguda positiva para o cromossomo Ph+ tratada com ponatinibe e blinatumomabe
Leucocitose elevada ao diagnóstico surge como principal fator de risco para recidiva, superando marcadores genômicos tradicionais
Escrito por: Germano Glauber de Medeiros Lima
A leucemia linfoblástica aguda positiva para o cromossomo Philadelphia (LLA Ph+) é uma neoplasia hematológica agressiva. Historicamente, o tratamento baseava-se em quimioterapia intensiva combinada a um inibidor de tirosina quinase (ITK) direcionado à proteína BCR::ABL1, seguido de transplante alogênico de células-tronco na primeira remissão. Recentemente, regimes livres de quimioterapia, que combinam o imunoterápico blinatumomabe (um biespecífico anti-CD19/CD3) com um ITK, demonstraram eficácia notável, com altas taxas de resposta molecular profunda e sobrevida prolongada, mesmo sem a realização rotineira do transplante. Contudo, uma parcela dos pacientes ainda experimenta recidiva da doença, frequentemente em sítios extramedulares, como o sistema nervoso central (SNC).
Apesar dos avanços, os fatores clínicos e moleculares que predizem a recidiva em pacientes submetidos a essas terapias modernas permanecem pouco elucidados. Marcadores genômicos, como o genótipo IKZF1plus, e a resposta da doença residual mensurável (DRM) são reconhecidos como prognósticos em esquemas contendo quimioterapia, mas seu impacto em contextos quimioterapia-free não está bem estabelecido. Dessa forma, o objetivo deste estudo foi caracterizar molecularmente os pacientes com LLA Ph+ tratados prospectivamente com a combinação de ponatinibe e blinatumomabe e identificar os preditores clínicos e genômicos associados ao risco de recidiva.
Este foi um estudo de fase II, unicêntrico e prospectivo, que incluiu 76 pacientes com LLA Ph+ recém-diagnosticados. O tratamento consistiu em blinatumomabe (até 5 ciclos) associado a ponatinibe (30 mg/dia, com redução para 15 mg após resposta molecular completa), sem quimioterapia sistêmica convencional. Todos os pacientes receberam profilaxia do SNC com quimioterapia intratecal (12 a 15 doses). Foram realizadas análises moleculares prospectivas no diagnóstico utilizando um painel de sequenciamento de nova geração (NGS) de 81 genes e, retrospectivamente, microarranjos de polimorfismo de nucleotídeo único (SNP) para análise de variações no número de cópias. A resposta foi avaliada por PCR para o transcrito BCR::ABL1 (Resposta Molecular Completa – RMC) e por NGS para rearranjos de IG/TR (DRM-NGS). A análise estatística empregou modelos de riscos competitivos de Fine-Gray para identificar preditores de recidiva.
Resultados e Discussão
Com um seguimento mediano de 29 meses, as taxas de sobrevida livre de eventos e sobrevida global em 3 anos foram de 78% e 88%, respectivamente. Dez pacientes (13%) recaíram, sendo que 60% das recidivas foram exclusivamente extramedulares (principalmente no SNC). A expressão de CD19 manteve-se alta em todos os casos de recidiva. Na análise univariada, os fatores associados a um maior risco de recidiva foram: leucócitos (WBC) ≥ 70 × 10⁹/L ao diagnóstico (razão de risco subdistribuído – sHR 8,86), envolvimento do SNC ao diagnóstico (sHR 6,87) e deleção do gene VPREB1 (sHR 4,06). A incidência cumulativa de recidiva (ICR) foi de 53% para pacientes com WBC ≥ 70 × 10⁹/L, contra apenas 6% para aqueles com contagens mais baixas. Na análise multivariada, apenas a leucocitose ≥ 70 × 10⁹/L manteve-se como preditor independente e significativo (sHR 16,29).
O impacto preponderante da leucocitose elevada, superando fatores genômicos consolidados como o genótipo IKZF1plus e a cinética de DRM, é o achado mais relevante deste trabalho. Este resultado sugere que a biologia da LLA Ph+ de alta carga tumoral pode não ser adequadamente controlada por um regime exclusivamente imunoterápico e com ITK, possivelmente devido à omissão de agentes quimioterápicos com melhor penetração em santuários, como o SNC. A alta proporção de recidivas extramedulares corrobora essa hipótese. A falta de associação com a resposta de DRM foi surpreendente, mas pode ser atribuída às altíssimas taxas de negativação alcançadas (96% por NGS), criando um “efeito teto” que dificulta a distinção de risco entre os pacientes.
Conclusão
Em pacientes com LLA Ph+ tratados com a combinação de ponatinibe e blinatumomabe em primeira linha, a leucocitose ≥ 70 × 10⁹/L ao diagnóstico é o principal fator de risco para recidiva, ofuscando o valor prognóstico de alterações moleculares basais e da resposta precoce da doença residual mensurável. Este achado indica que estratégias terapêuticas alternativas, como a intensificação da profilaxia do SNC ou a incorporação de quimioterapia consolidativa de alta dose, são necessárias para melhorar os desfechos nesse subgrupo de alto risco. A validação desses resultados em coortes independentes é essencial para guiar a personalização do tratamento na era das terapias-alvo e da imunoterapia.
Referência:
- Short NJ, Kantarjian H, Furudate K, et al. Molecular characterization and predictors of relapse in patients with Ph + ALL after frontline ponatinib and blinatumomab.J Hematol Oncol. 2025;18(1):55. Published 2025 May 14. doi:10.1186/s13045-025-01709-y

